sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Desate os nós.

Eu tinha quase trinta anos quando cometi um dos maiores erros da minha vida.
Eu era um rapaz bonito, bem-sucedido e que tinha muitos amigos, eu era conhecido e reconhecido.
Porém, minha mãe e eu não nos falávamos mais. Por motivos que até hoje não entendo quais são, ela deixou de me amar. Não me olhava mais nos olhos e queria muito que eu saísse de casa para não ter mais que me aguentar. Eu estava triste, cabisbaixo, e chorava muito por aqueles dias.
Eu tinha uma linda namorada com quem eu compartilhava a minha tristeza. Mas a minha mãe proíbia a entrada dela na minha casa.
Haviam dias em que eu chegava em casa cansado do trabalho, e a única coisa que eu queria era um pouco de atenção e carinho, carinho esse que eu sempre recebi dela, antes da ojeriza. Eu nem exigia tanto, apenas atenção, conversação me bastariam.
Mas tudo o que eu via era o seu olhar de desprezo para mim.
Pouco tempo se passou assim até que a raiva que ela sentia de mim se propagou, e eu além de tristeza, passei a odiar a mulher que eu mais amei na minha vida.
Foi com ela que dei meu primeiro passo.
Foi ela que cortou a minha primeira mecha de cabelo loiro.
Foi ela que fez da colher um avião para que eu sentisse prazer em comer gororobas de beterraba.
E hoje, ela não significa mais nada pra mim.
Como é triste lembrar do bonito que algo ou alguém foram quando esse bonito começa a se deteriorar irremediavelmente.
Um dia, cheguei em casa perdido. Eu tinha discutido com meu chefe, estava triste, minha namorada não atendia o telefone e pra piorar eu havia comido e deixado o meu prato na pia.
Pronto. O prato na pia virou escândalo. Minha mãe me atirou ofensas como quem acerta um punhal no peito alheio, e meu corpo começou a chorar por inteiro de suor e lágrimas.
Já não suportava mais aquela situação.
Corri para o meu quarto e chorei copiosamente. Não conseguia entender porque aquilo estava acontecendo comigo. Liguei o som no mais alto que minhas caixas aguentavam e coloquei a música mais pesada que eu conhecia. Nuvens negras entravam em meu quarto e tomavam conta de meu cérebro, me deixando cego.
Fui até a gaveta onde meu pai guardava seus objetos mais pessoais, peguei seu antigo 38 e com elegância e graça dei um tiro na cabeça, deixando apenas um bilhetinho:


Grande parte da vida que eu possuía foi roubada, vendida ou doada. 
Quanto aos meus restos mortais, suplico encarecidamente; não o torturem com choros, rezas ou velas. É apenas a minha matéria e imploro que a deixem degradando-se em paz. A putrefação não é degradante. Se a humanidade permitisse que a natureza tomasse o seu curso, seria o renascimento da matéria.
Eu renasceria no vento que passa a murmurar, nas folhas que farfalham, no solo que abriga e alimenta milhares de seres vivos, na água que corre para o mar nas chuvas que regam os campos, no orvalho que cintila ao luar, nas grandes árvores que abrigam ninhos de passarinhos e que vergam a passagem dos ventos fortes, nos pequenos arbustos que escondem a caça do caçador...
Céus! Eu me vingaria se apenas uma de minhas partículas participasse do desabrochar de uma flor ou do canto de um pássaro. 

Romântico? Não! 
Foi o mundo, a política, meu educador, mas principalmente... foi o seio que aconchegou a criança que vinha lhe contar as suas tristezas, mágoas, alegrias, pensamentos, e seus desejos íntimos... suas esperanças. 
A criança crescida quer voltar para lhe contar seus sofrimentos, desilusões, a morte de suas esperanças... para encontrar novamente o aconchego onde poderá descansar sua cabeça cansada e abatida e onde poderá, enfim, chorar as suas lágrimas que não encontram mais onde chorar.
Volto derrotado porque não fui capaz de viver. Trabalhar e estudar não foram suficientes para mim. E foi tudo o que me restou. Prefiro morrer do que viver com a morte dentro de mim. 

É melhor queimar do que se apagar aos poucos.
Perdoem-me.


Minha mãe nunca se perdôou e viveu em depressão em cima de uma cama de hospital durante 9 anos, até falecer de desgosto.
Mas ela teve milhões de chances de se redimir, e eu também.
Com apenas duas palavras: Me perdoa?
E nós dois não o fizemos. Me arrependo amargamente de ter interrompido uma vida frutífera por mágoas. Me arrependo de não tentar conversar com ela mais vezes sobre essa morte do amor dela por mim.
É triste morrer sem entender. É triste perder alguém sem entender.

Não deixe que as mágoas, o rancor e a raiva tomem conta da sua vida.
Não construa paredes, muros e edifícios em volta de você, abra-se. Deixe-se ser descoberto.
Perdoe-se, perdoe aos outros. Desate os nós. E seja feliz.


Um comentário:

  1. O texto é pesado, me lembrou Kurt Cobain. Mas vale pela mensagem!

    ;)

    Beijão!

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